sexta-feira, 19 de junho de 2009

A cão e o Homem

Lembrando de minha infância, revivi, em minha memória, doces lembranças de um cão amigo. Em minha meninice era muito levado e quase não tinha amigos, pois brigava com todos os
garotos do bairro. Então, travava longos momentos de traquinagens com o meu cão.
Dizem por todos os cantos, que o cão é o melhor amigo do homem, mas o meu cão teve um tempo de graça: o animal supera o homem. Meu amigo se chamava Banzé. Ele estava sempre atento a tudo o que acontecia comigo. Tudo o que percebia, ele percebia também, tudo que comia, ele comia também. Mas o mais importante eu quase nunca conseguia, adentrar o reino encantado dos adultos. Caro leitor , como é difícil ser homo sapiens. Meu cão era adestrador de idéias e estava sempre a observar o que se passava na vida de minha família. Muitas vezes, como Baleia e Fabiano do incrível mundo nordestino de Vidas Secas, dava até opnião e era a ele que eu me dirigia para resolver minhas artes.
Um dia acordei precisando muito falar com meu cão, mas ao sair no pátio de minha casa percebi que ele estava observando a conversa e o pensamento de minha tiavizinha, Dona Cida, e de minha mãe. Elas teciam filosoficamente ponderações sobre a vida dos vizinhos e familiares. Eu , como sempre, faltoso com o horário do colégio, parti em disparada para a aula de português com a professora Helena Catssutani. Quando chegai à escola, senti uma estranhesa em meu peito, era o cão que me dizia. Em casa, enquanto conversavam mãe e tia, essa teria pedido um copo de café, já que sua boca e nariz não tinham resistido aos encantos do aroma dessa bebida misturado ao doce frescor da manhã. Muito lentamente minha mãe atrevessou a cozinha portando em sua mão uma dose desse licor; o cão tão atento e com grande desejo de apreciar também um pouco daquela bebida, sofreu um duro golpe do destino e recebeu em suas costas as quentes gotas da bebida. O fundo do copo se rompeu.
Nem mesmo você sábio homem poderá me ajudar- pensou o cão ao ver o médico se aproximar. Como em despedida para longa viagem, meu sábio amigo cão acenou um último adeus. Uma grande tristesa me abateu, pensei em partir com ele, mas depois decidi que deveria ficar e passar aos demais os ensinamentos que aquele sábio tinha me deixado.
( Álvares Machado de Assis)

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